Música

segunda-feira, 30 de abril de 2012

O caleidoscópio do real: o 13º andar

Matrix inaugurou uma nova era no universo cinematográfico e intelectual. No entanto, ao meu ver, a preferência da academia em torno de Matrix refere-se muito mais ao sucesso sensacionalista que o filme obteve nas bilheterias, do que propriamente às reflexões que gerou. Pensem comigo: se somarmos uma trama inovadora para época (intitulada até mesmo de revolucionária) em termos de ficção, mais a ação desenfreada proporcionada pelas lutas marciais junto aos seus respectivos efeitos visuais (sobretudo o Bullet Time, na famosa cena de Neo se desviando das balas) e, como pano de fundo, inteligências artificiais num universo tomado pela incerteza do que é propriamente real. Sem contar que o filme conta com a atuação do "galã" do momento, trazendo ainda mais público para apreciar o charme dark e avassalador de "Neo". BOOOOOM! Sucesso na certa!
Mas pouca gente sabe que, no mesmo ano em que Matrix fora feito, em 1998, com lançamento também em 1999, outro filme com temática hi-tech fora feito. Porém, ao contrário do blockbuster Matrix, 13º Andar perde em termos de orçamento, englobado, assim, na categoria cult.



Isso faz muita diferença na parte estética do filme, já que evidencia a precariedade do cenário e, principalmente, dos efeitos visuais. Por outro lado, a película ganha, e muito, no teor das discussões filosóficas que apresenta.
Iniciado com uma locução off de René Descartes - Penso, logo existo - o filme busca desafiar os limites da existência humana, associando tecnologia computacional à realidade virtual. Essa virtualização do real é evidenciada através da criação de unidades autômatas, ambientes e seres virtuais, inspirados em sujeitos e experiências reais, idealizados por um criador. 
Não podemos deixar de esquecer que a produção cinematográfica é fruto do imagínário de uma época. No caso em questão, de um período marcado por avanços tencológicos, especialmente no ramo da computação, pós-criação do Windows 95. Esse momento fora marcado por especulações em torno das potencialidades dessas tecnologias virtuais. Portanto, assim como Matrix, 13º andar cumpre a missão de apresentar a tecnologia computacional como mediação possível da transcedência espiritual. A diferença consiste na ausência da apelação, já que em 13º andar o próprio telespectador é levado a pensar, refletir sobre o destino da condição humana. Nesse sentido, as conclusões ou considerações são infinitas, pois não são dadas, mas construídas pelas impressões daquele que telespecta a película. 
Digo isso, porque em Matrix as referências filosóficas e místicas são colocadas como forma de justificar a narrativa e todo o balé dos efeitos visuais e da saga de seu personagem principal, apontando, assim, dois aspectos negativos da produção: primeiro, a atenção demasiada dada a ação e aos efeitos sensacionalíticos, esquecendo-se de amarrar a trama a um bom roteiro narrativo e segundo, o julgamento equivocado sobre a incapacidade de reflexão do telespectador, suscitando justificativas ou respostas demais à perguntas que, talvez, deveriam ter sido deixadas no ar.
13º andar revela a existência de camadas sobrepostas de realidade, focando a narrativa no campo metafísico. No entanto, a produção não deixa de notar seu aspecto político, esse que, no caso, é proposto pelo poder que circunda a mente daquele que usufrui da técnica de "correspondência" do campo de simulação, poder esse emanado através da possibilidade de ser o outro e do seu controle sobre o mesmo. De forma categórica, poderíamos classificar esses níveis de realidade, conforme sugere a narrativa, em três, sobrepostos em uma escala ascendente: Los Angeles de 1937, Los Angeles de 1998, Los Angeles de 2024. Curiosamente a Filosofia Hermética (influenciada pela metafísica platônica, na qual o o mundo dos sentidos nada mais é do que formas distorcidas do mundo das ideias) sugere a existência de três planos de correspondência, também descrito em graus ascendentes: o Plano Físico, o Mental e, por último, o Espiritual.
A grande sacada da produção é iniciar a narrativa nem do começo, nem do fim, mas justamente do meio, ou melhor, o nível intermediário de realidade. Além disso, a saga do personagem principal em desvendar um crime que supostamente ele próprio cometeu sugere à trama um suspense numa medida mais que precisa. 

Trailer 13º Andar

O roteiro do filme foi baseado no livro "Simulacron 3" de Daniel Galouye (1964) e adaptado por Josef Rusnak às problemáticas e questões que nortearam os anos 1990. Para aqueles que se interessar, assistam ao filme e atente-se as particularidades de cada nível de realidade refletindo sobre suas adequações aos planos de correspondência a que possivelmente estariam fazendo referência.

CLIQUE AQUI! Download 13º Andar RMVB Dublado

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domingo, 1 de abril de 2012

O Frankestein moderno de Almodóvar: "A pele que habito"

Em mais uma de suas super produções, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar consegue surpreender novamente. Seu "ator" pródigo, Antônio Bandeiras, no papel do cirurgião plástico Richard Legrand, traz à tona uma tônica de discussões na qual a ciência e a sétima arte recriam, por assim dizer, um neofranskestein.

 

Navegando entre o suspense e a ficção científica, Almodóvar conta a história familiar trágica de Richard Legrand. Richard tenta, aos poucos, se recuperar das suas perdas familiares: primeiro, sua esposa, essa que se suicidou ao se deparar com as marcas que o incêndio lhe deixou e, mais tarde, sua filha, que também se suicidou ao passar pela experiência traumática de um quase estupro.
Aos poucos, a trama estabelece as características principais desse personagem, traçando-o como um cirurgião plástico bem sucedido, com ideias avançadas para o seu tempo, porém perturbado com as tragédias vivenciadas. O tempo da narrativa é calcado, ironicamente, no ano de 2012, o nosso presente.
Obstinado com sua ciência, Richard inicia uma insaciável busca de construção da pele perfeita - um mistura de DNA humano com o de suínos - essa que poderia ter impedido o suicídio de sua esposa. Numa tentativa de se vingar do agressor de sua filha, Richard utiliza-se do corpo do rapaz para começar a colocar em prática suas teorias científicas. Concomitante a isso, ele busca construir, em sua imagem e perfeição, os traços de sua amada.
A referência analógica aqui estabelecida entre a criação de Richard e o famoso Frankestein está associada à relação estreita evidenciada entre criador (o médico/ cientista) e criatura (o chamado "monstro") e a tentativa iminente de se criar um super-homem, no sentido mais literal do termo, imune a qualquer dano epitelial.
A ideia de monstro é, na maioria das vezes, associada à criação de um ser artificial, a partir de um laboratório e não pelas vias caracterizadas "normais" de reprodução, isto é, entre um homem e uma mulher. Essa questão também fora colocada em voga quando se iniciou o aparecimento de clínicas de fertilidade e a possibilidade da fecundação de um óvulo sem a necessidade do ato sexual. A inseminação artifical ou a fertilização in vitro ainda é vista por muitos conservadores como um ato moralmente inaceitável, já que coloca seres humanos na condição de mercadorias a serem fabricadas.
Mas o trunfo de A pele que habito (e, sem dúvida, de Almodóvar) não é questionar sobre a monstruosidade ou não do ser criado artificialmente. Já é sabido da identificação e relação estreita que o diretor possui com as temáticas sobre gênero e sexualidade. Ao transformar cientificamente um homem em uma mulher, Almodóvar adentra, direta e indiretamente, no universo da transexualidade, ou seja, na possibilidade da mudança de sexo, questão muito debatida e já realizada nos dias atuais. Quebrando qualquer discussão que possa permear o senso comum, Almodóvar possibilita a reflexão sobre a dor de não ser aquilo que se deseja ser, já que produz um ser que não se identifica com o corpo que habita, ou seja, um transexual. Por fim, nos diálogos finais, o diretor ainda aponta, mesmo que rapidamente, a dificuldade que é de possuir um corpo no qual, biologicamente e socialmente, é identificado por suas características formais e superficiais, sem se levar em conta o psicológico do sujeito, isto é, como ele se imagina ser.
A genialidade de Pedro Almodóvar repousa no âmago das questões em que ele se habilita a discutir, além da mescla de gêneros e dos sistemas de referências que se utiliza para realizar tal ação. No momento atual, A pele que habito (2011) se caracteriza como uma obra-prima pela coragem, primazia e sensibilidade em que trata as polêmicas das problemáticas da contemporaneidade.

Trailer de A pele que habito
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domingo, 25 de março de 2012

Realidade ou ilusão? Com vocês, apresento Mais estranho que a ficção!

A película de hoje oferece uma reflexão óbvia sobre o nosso cotidiano contemporâneo:  Carpe diem! Aproveite a vida, da melhor forma possível, já que ela é - ou pelo menos deveria ser - bela. Blá, blá, blá. Essa lição de moral já está óbvia demais nos dias de hoje, certo? Errado! Contada de forma certa, no equilíbrio entre o drama e a comédia, Marc Foster, diretor do primoroso filme Mais estranho que a ficção (2006) mostra que se pode abordar tais aspectos de uma forma irresistível, excêntrica e muito particular.


A trama conta a história de Harold Crick, um metódico e solitário auditor da Receita Federal e sua vida regradamente cronometrada e sistematizada nos mínimos detalhes. A rotina de Crick é tão ordenada que ele cronometra o tempo das atividades diárias mais simples: escovar os dentes, tomar café da manhã, pegar o ônibus para o trabalho, etc. Uma agulha folha desse palheiro sinaliza, para Crick, a desordem e caos total. Porém, certo dia, ao contar o número exato de "escovadas" que deveria realizar em seus dentes, o auditor começa a ouvir uma voz feminina, narrando detalhadamente seu ato. Nesse caso, tal voz estaria realizando o papel de narradora de uma obra literária. Como um clímax preliminar dessa narrativa, a narradora deixa escapar que os dias de Crick estão contados, deixando-o intrigado com essa situação.
Antes de supor que esse é mais um filme cult que "não se tem pé, nem cabeça", a produção ganha sustentabilidade por meio de seu roteiro. A trama, a partir daí, é belamente traçada, atando todos os pontos desse mistério: o aparecimento da famosa escritora que desesperadamente se coloca à procura de seu feeling literário, o professor de literatura que auxilia Crick na resolução desse mistério, a nova e arrasadora paixão do auditor, Anna, a confeiteira, e, um personagem pra lá de secundário - talvez o único ponto negativo da produção - a assistente da escritora que a ajuda a se livrar do bloqueio artístico, interpretada pela talentosa - porém, mal utilizada - Queen Latifah.
Ao lado do inebriante roteiro, as atuações também são primorosas. Maggie Gyllenhaal, com toda sua delicadeza e suavidade parece nos explicar muito bem porque Crick apresenta tamanho encantamento por Anna Pascal. Emma Thompson, na personagem da escritora-narradora Kay Eiffel, apesar dos trejeitos caricatos exagerados mostra que a publicação de sua obra é, de fato, um caso de vida ou morte - da sua vida e da morte de seu personagem. Dustin Hoffman faz o professor de literatura e seu sarcasmo intelectualizado adiciona ao filme uma excentricidade única, conduzindo o espectador trama à dentro na busca pela resolução do mistério de Crick.
Por fim, com uma interpretação precisa e risivelmente séria, Will Ferrel, no papel de Harold Crick, parece deixar de lado o riso escrachado que sempre procurou provocar. Caminhando na trilha de atores cômicos como Jim Carrey, Ferrel buscou encontrar seu caminho dentro dessa trama pautada pela reflexão filosófica em torno da irônica existência humana. Mais estranho que a ficção, é risivelmente dramático e autorepresentativo, já que todos nós, no fundo, no fundo, nos parecemos com Harold Crick. Sem dúvida é uma boa pedida para esse fim de tarde de domingo.

Trailer do filme Mais estranho que a ficção


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domingo, 18 de março de 2012

A autocracia irracional: a contaminação de A onda

Enfim, a estreia do primeiro post de 2012.
Como sugestão de um leitor, acrescentarei à trilogia indicada no post "Cinema e história: socialismo, capitalismo e os ideais (revolucionários ou não) de felicidade" o filme A onda (2008).


A onda (em alemão é Die Welle, em inglês The Wave) simboliza a concretude dos anseios de práticas políticas desvirtuadas no coração de uma juventude desvairada. Sendo tambem uma produção cinematográfica alemã, a película busca tratar criticamente os efeitos sociais causados por práticas governamentais autoritárias que seu país já vivenciou. O diferencial do filme é a trama, essa que se agrega ao âmbito educacional, levantando possibilidades de como se trabalhar temas políticos em sala de aula de uma forma mais prática, mais vívida. O problema é quando a prática é tomada em sua forma concreta na vida realmente dita, na qual alguns não conseguem dissociar o aprendizado de seus próprios anseios pessoais. Digo isso, pois a trama evidencia uma das características mais polêmicas do meio social e cultural: o poder da manipulação.
Mas vamos por partes e começar, é claro, do início. Baseado em fatos reais, o filme conta a história de um professor de segundo grau - Rainer Wenger - que, em uma disciplina de curta duração, recebeu a difícil tarefa de trabalhar o tema Autocracia. O assunto se mostrava pouco atrativo aos alunos e, como estratégia, Rainer buscou aliar sua simpatia e carisma com os educandos a uma aula mais prática do que teórica. A ideia era mostrar aos alunos que, para um sistema governamental ser capaz de se gerir através de um único detentor do poder, torna-se preciso seguir certas regras para conseguir, com êxito, penetrar no jogo político e nas mentes e corações da população. Para tanto, o professor se utiliza dos signos dos principais governos autoritários da história: o nazi-fascismo. As primeiras dessas regras seriam, respectivamente, a Ordem e Obediência em torno da figura do futuro líder. No caso, como fruto dessa aula prática, o "poder pela disciplina" deveria ser imposto conforme o sistema hierárquico da própria sala de aula, ou seja, o líder seria encarnado na figura do Professor Rainer. Proclamado líder, o professor segue fomentando as indicações dos próprios alunos, esses que sugerem, a fim de se obter identidade e unicidade para o grupo, várias outras regras, tais como: um Nome (A Onda), um Símbolo (a própria onda desenhada por um dos alunos e destacada com a cor vermelha, como mostra o cartaz do filme), uma Saudação (o sinal da onda feito com as mãos) e um Uniforme (camisa ou camiseta de cor branca).
Em sala de aula, o professor vê o resultado concreto de cada pequena imposição sugerida nos ânimos acalorados dos alunos. Porém, tal prática expressa também várias consequências, já que o grupo rapidamente se dissipa na escola e os jovens começam a discriminar qualquer um que não faça parte ou que não compartilhe da mesma ideologia. O grupo se torna um movimento coletivo marcado pela irracionalidade dos jovens-membros em benefício a uma suposta ordem, união e identidade. No fim, a película encontra seu clímax, evidenciado pela tragédia quando Rainer tenta acabar com o movimento, mas é questionado por um de seus mais fervorosos seguidores.
Com a direção firme e competente de Dennis Gansel, a interpretação segura de Jurgel Vogel - o professor Rainer - e o roteiro envolvente de Peter Thorwarth, o filme se apresenta como uma pequena-grande surpresa da indústria cinematográfica alemã. Pequena se levarmos em conta a grande quantidade de obras que abordam questões relativas a esse período histórico. O adjetivo grande valeria aqui pela iniciativa de abordar, em aspectos mais didáticos e práticos, uma crítica social tão pertinente à sociedade daquela época, mas também a nossa, contemporânea, dos dias de hoje. Essas características se expressam através da proposta de pensamento acerca da homogeneização da população contemporânea e sua consequente massificação, pela mídia e também por si própria, pois afinal há aqui também o tal do livre arbítrio sobre essa prerrogativa. Refletir sobre a possibilidade de eclosão de uma ditadura dentro de um país democrático e os mecanismos pelos quais essa poderia se enveredar é uma ideia ainda pouco explorada nas artes ou até mesmo na intelectualidade. O receio em torno dessa questão parece afastar - direta ou indiretamente - qualquer possibilidade que possa existir.
Por fim, a obra mostra a necessidade latente dos jovens da sociedade contemporânea em se identificar - em busca de integrações sociais - mostrando-se, por vezes, altamente influenciáveis, principalmente quando se contagiam com máximas de grupos que visam práticas violentas e discriminadoras, como os skinheads.

Trailer do filme A onda

A história é inspirada nos fatos verídicos de um professor de história que em 1967, na Califórnia, propôs aos seus alunos um movimento batizado de A terceira onda. Seu objetivo era evidenciar aos educandos como o povo alemão certamente não tinha a dimensão da tragédia do Holocausto, dado a sua condição de sujeito "manipulado". Objetivando elevar o poder pela unidade, o professor instigava os alunos através das máximas "força pela disciplina, força pela comunidade, força pela ação, força pelo orgulho". Caso queira saber mais sobre essa história real, acesse esse link do Café História e confira uma entrevista com o professor californiano que realizou essa experiência com seus alunos.
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domingo, 14 de agosto de 2011

A desigualdade dos iguais: Orgulho Gay e Hétero em foco

 
     Uma das discussões mais calorosas desse ano gira em torno da homossexualidade e, sobretudo, da conquista do direito da união homoafetiva regulamentada, isto é, a instituiçao do casamento gay. Logicamente que tal processo não seria realizado sem oposições e, dessa vez, a resistência está do outro lado, ou melhor, na ala conservadora da sociedade, essa que se fundamenta em seus princípios "ético-religiosos". É nesse contexto que se localizam as discussões entre a legalidade do dia do Orgulho Gay e, agora, do Orgulho Hetero. 
      Mas vamos por partes. É preciso, primeiramente, uma explicação conceitual do termo ORGULHO. Dentro do movimento LGBTs, tal conceito tem seu fundamento político e histórico, pois refere-se a uma reação positiva a toda forma de tratamento destinada a seus membros que vise deturpá-los enquanto seres humanos, classificando-os enquanto pessoas menores, aberrações, propagadores do vírus do HIV, criminosos, anormais. A origem desses enunciados se localizam justamente na "moralidade" promulgada por algumas religiões - moralidade, que, diga-se de passagem, é falsa, pois muitos desses ditos "religiosos" praticam atos pra lá de ilícitos. Esses discursos são as principais justificativas dadas por muitos homossexuais em se manter trancafiados no "armário", protegendo-se assim, do preconceito social e familiar. O orgulho, nesse sentido, é a base da reconstrução da auto-estima desses sujeitos, um mecanismo de integração social, já que se apresenta também como uma forma de deixar de lançar mão do "armário" como escudo protetor. O Orgulho Gay vai ainda mais longe, pois ousa bater de frente com esses discursos, através da alegria da Parada Gay, colocando-se em igualdade de direitos enquanto ser humano como qualquer outro. 
      Além disso, a criação do Dia do Orgulho Gay também é historicamente datada, pois refere-se ao movimento de Stonewall, ocorrido em 28 de junho de 1969 em Nova York, que tinha, entre os objetivos dos homossexuais discriminados, a reivindicação de seus direitos enquanto cidadãos na suposta democracia em que o Estado se fundamentava. 
      Frases como a do criador do projeto de lei do Dia do Orgulho Heterossexual, vereador Carlos Apolinário (DEM): “A criação do Dia do Hétero não simboliza uma luta contra a figura humana dos gays, e sim contra aquilo que considero que são excessos e privilégios” não tem fundamento algum. Não é um privilégio ser assassinado, vítima de preconceito e discriminação. Não é um privilégio a burocracia do processo de adoção a um casal gay. Não é um privilégio a televisão brasileira insistir em retratar homossexuais por meio de estereótipos generalizantes. Assim, não é um excesso a tentativa de se reafirmar perante uma sociedade machista e preconceituosa que nega direitos aos seus iguais. Se houvesse o reconhecimento da "figura humana de gays", negros ou de outras vítimas do preconceito, certamente esse ato político de orgulho e reafirmação de uma identidade não precisaria ser realizado.
      E o Orgulho Hetero? Qual seria a necessidade de afirmação dessa identidade? Uma tentativa desesperada de se afirmar enquanto ser humano mais igual que os demais? Como diria Ferreira Gullar no texto elencado abaixo ou Humberto Gessinger, "São todos iguais, e tão desiguais, uns mais iguais que os outros". Bom, felizmente agora pouco me deparei com um pronunciamento do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, anunciando que vetará o projeto de lei aprovado na Câmara de São Paulo no dia 02 de agosto. Aos que ainda insistirem nessa ideia, é bom repensar alguns conceitos, afinal alguma coisa deve estar errada aí, pois, provavelmente, é a sexualidade dos mesmos que deve estar estremecida pela "ditadura gay" (conforme o próprio Apolinário) e precisando ser reafirmada.

Fiquem com o reflexivo texto de Ferreira Gullar - A desigualdade dos iguais - e o belíssimo curta de André Matarazzo e Gustavo Ferri - Não gosto dos meninos.

A desigualdade dos iguais

Em tempos remotos, quando os deuses falavam pela boca dos loucos, o conceito de justiça se limitava à obediência às normas que regiam a sociedade.

Não se cogitava alterar as relações de propriedade, uma vez que, conforme a crença geral, quem era rei ou nobre o era por determinação divina, resultando daí que rebelar-se contra a desigualdade era rebelar-se contra os deuses. Não obstante, já então, de um jeito ou de outro, o senso de justiça era a base da vida comunitária. Donde se conclui que a noção do que é justo pode variar, mas, sem ela, a sociedade humana torna-se inviável.

"O homem é injusto e, não obstante, inventou a Justiça", dizia o filósofo Krinópolus, num texto célebre em que demonstrava como, mesmo nas comunidades mais antigas, já esse conceito estava presente. E citava o exemplo de uma cidade onde o assassinato impune de seu jovem rei pesava sobre a consciência de todos, como uma espécie de culpa coletiva.

Ele saíra sozinho em passeio pelas cercanias da cidade, como costumava fazer, e não voltou. Durante toda a noite, sua esposa esperara por ele inutilmente e, na manhã seguinte, chegou a notícia de que um camponês o encontrara morto numa estrada deserta. Quem o poderia ter assassinado, se ele era um rei cordato, justo e generoso? Não se sabia.
Depois de muito chorar, a rainha terminou por se apaixonar por um jovem forasteiro que viera servir no palácio e com quem se casou. O novo governante mostrou-se igualmente bom e generoso, para a alegria de todo o povo. Não obstante, nunca mais aquela cidade foi feliz. Pragas freqüentes dizimavam centenas de pessoas, levando o luto e o sofrimento às famílias. "É que a justiça não foi feita", advertiam os mais velhos, "o assassino de nosso jovem monarca continua impune".

Não vou me ocupar dos detalhes desta história, mas o certo é que aquela comunidade só voltou a ter paz depois que o crime foi punido. Pode até ser que o criminoso fosse outro, mas, para todos os efeitos, a justiça foi feita.

Foi necessário que muito tempo passasse até alguém se dar conta de que todas as pessoas são iguais e, por isso, para haver justiça, seria necessário que a riqueza da sociedade fosse dividida entre todos igualmente. Mas como conseguir isso? Os adeptos da igualdade acreditaram que aquela era uma verdade tão evidente que todos logo adeririam a ela -e começaram a pregá-la. Para surpresa deles, os ricos não apenas se negaram a dividir o que possuíam como passaram a perseguir os defensores da igualdade.

Diante disso, convenceram-se de que o único modo de alcançar seus objetivos era, em vez de tentar convencer os ricos a dividir sua riqueza, procurar convencer os pobres de que tinham direito a ela e deveriam tomá-la. "Os ricos são poucos, e os pobres são muitos, logo venceremos a disputa." Mas, para isso, observou alguém, terão que tomar o poder e mudar as leis.  

Depois de muita luta, os ricos foram destituídos de suas funções de governo e seus bens passaram à propriedade comum da sociedade. "Agora, a riqueza é de todos", proclamaram os novos governantes, sem saber ainda como dividi-la de modo justo e equânime. Além disso, não apenas os ricos possuíam terras e bens; um número grande de pessoas também os possuía, ainda que em menor quantidade e às custas de seu trabalho.

Seria justo tomar-lhes esses bens? A opinião dos novos dirigentes se dividiu, já que uma parte deles afirmava que se devia respeitar esse tipo de propriedade. Não, afirmavam outros, ninguém deve ter nenhuma propriedade, tudo será do Estado, que proverá as pessoas segundo sua necessidade.

Parecia justo, mas os bens existentes -terras, animais, arados, máquinas, casas, alimentos- não eram em quantidade suficiente para atender à necessidade de todos. Como escolher os que receberiam bens agora e os que teriam de recebê-los mais tarde? "Os que lutaram pela nova sociedade devem ter preferência", argumentou alguém, e esse argumento pareceu razoável, embora implicasse estabelecer um novo tipo de desigualdade, a desigualdade provisória.

No entanto, não se sabe se os desacreditados deuses, ou os demônios, conspiraram para que uma série de calamidades caísse sobre aquela gente bem-intencionada, agravando-lhe as condições de vida: inundações, estiagens, invasões -o que veio tornar cada dia mais difícil atender aos que nada haviam recebido na primeira partilha. O descontentamento foi se disseminando entre os desfavorecidos, e uma nova rebelião parecia ameaçar o regime.

O problema é que, se todos os homens são iguais, existem aqueles que são mais iguais.

Ferreira Gullar
Fonte: Folha de São Paulo

Curta-metragem: "Não gosto dos meninos"

 

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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Secret Window - Janela secreta

Mais um drama psicológico de tirar o fôlego. Assim como em Cisne Negro, o protagonista arrasa na atuação, essa que é realizada pela execução do papel de um escritor de sucesso, Mort Rainey (Johnny Depp). A produção é uma adaptação do livro de Stephen King, Secrete Window, Secret Garden. Diga-se de passagem, Janela Secreta, de 2004, é uma adaptação muito bem feita. A partir da atuação de Johnny Depp, a película consegue passar e deixar aquele sentimento de suspense no ar, característica marcante de Stephen King. Mort Rainey é um escritor de suspense famoso, mas que passa por alguns problemas pessoais. Com a traição da esposa, o divórcio e o bloqueio intelectual/ literário, Mort passa a estrelar seu próprio drama, uma bipolaridade literal. Depp conduz a trama magistralmente, concentrando toda a atenção da produção em sua arrepiante atuação. A graciosidade de seu humor confere a película uma característica singular, única, já que dificilmente se faz presente em produções como essas. O cabelo loiro cuidadosamente desajeitado, sem dúvida, é um dos fatores risíveis do filme e do personagem inconsequente de Depp. O ator consegue combinar charme, humor, suspense e loucura num mesmo personagem e ainda deixá-lo simpático aos olhos do público. Por fim, o filme também traz à tona um elemento bastante discutido no meio acadêmico atual: o plágio. O escritor Mort tentará, ao longo de toda a trama, entender e se defender da acusação de plágio sofrida por um fazendeiro texano pra lá de estranho: o durão Shooter.
Voltando, aos poucos e devagar, do hiato aqui no blog, recomendo essa produção. Um dos filmes preferidos e indicação de Patrícia Correa.

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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Black Swan (Cisne Negro)


Pensando na premiação cinematográfica oferecida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles, sob o signo da famosa e visada estatueta, publicarei resenhas críticas (e o link para downloads) das principais indicações dignas de Oscar. O escolhido para estrear a sessão foi Cisne negro. 

Cisne negro (2010) dirigido por nada mais e nada menos que Darren Aronofsky, explora, como não podia deixar de ser, os limites humanos. O diretor começou a ganhar destaque no universo cinematográfico depois da recepção do surrealista e impressionista PI (1998) (isso mesmo, o número matemático que expressa o valor de 3,1415...) e do psicodélico (e aclamado no mundo cult) Requiém for a Dream (Requiém para um sonho - 2000). Assim, Cisne negro trabalha sob uma perspectiva semelhante: a história da bailarina Nina, uma garota que sofre com a proteção excessiva da mãe e com seu perfeccionismo. Mesclado a isso estão as alucionações frequentes da garota que tramitam entre os limites do real, irreal, surreal e imaginário. Ser bailarina já é uma tarefa árdua que exige uma disciplina incomum, excessiva, além de forçar os limites físicos de qualquer pessoa. Além disso, há a pressão oriunda do próprio mundo artístico - competitividade entre bailarinas - da mãe e a do diretor, esse que exige que Nina sinta, viva e liberte seus desejos reprimidos. O diretor, Thomas e outra bailarina, Lily, envolve Nina numa teia de erotismo e prazer, confundindo ainda mais a garota e potencializando suas paranóias. Além disso, após ser selecionada para o papel principal da peça Lago dos Cisnes, Nina tem de enfrentar  seus próprios medos e angústicas provocados pela sina de ser, em sua concepção, imperfeita. Tanto na peça quanto no filme, o cisne branco e o cisne negro são faces de uma mesma pessoa, mas com características totalmente diferentes, antagônicas. Nina se encaixa no perfil do cisne branco, contida, correta, doce e inocente, enquanto Lily, que também almeja o papel, representaria, dessa forma, o cisne negro, pois demonstra maior leveza, liberdade, ousadia e sensualidade. No começo da película, a insegurança e apatia da personagem provoca certa morosidade a trama, porém Nina cresce ao longo do filme e ganha força, graças a belíssima e comovente interpretação de Natalie Portman. Portman, de fato, se entregou a personagem e, mais uma vez, assim como em Closer, trouxe a trama toda para si, concentrando a atenção do telespectador para os problemas psicológicos de sua personagem.
Essa produção, além do roteiro, têm outras qualidades: a cenografia e a fotografia são bem construídas e bonitas esteticamente. Mais uma vez - porém menos que em Pi - o diretor investe no figurino, maquiagens e cenografia em tons de cinza, branco e preto, privilegiando assim, o ar sombrio do terror psicológico e suspense que a trama provoca. A técnica fílmica utilizada pelo diretor também é brilhante, pois ele lança mão de recursos para intensificar a sensação de perseguição da personagem, como a cena que mostra Nina se refletir em diversos espelhos, com reflexos diferenciados. Aliado a isso, está a belíssima forma com que a peça de balé é mostrada, essa que transportada para a sétima arte, é agradável de ser apreciado. Aqui, a atuação de Portman faz toda a diferença, já que a atriz consegue mesclar passos delicados de balé, seu ar doce e inocente com uma interpretação dramática e, por vezes, psicótica.

Ps: Sempre olhei com certo preconceito esses filmes concorrentes ao Oscar e acho que esse fato fez eu me surpreender ainda mais com essa produção. Uma ótima indicação para uma tarde cinzenta de domingo como hoje.

Cisne Negro

5 indicações ao Oscar:

Melhor filme
Melhor diretor
Melhor atriz
Melhor fotografia
Melhor edição 

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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Tempos de Paz


E viva o cinema nacional! Daniel Filho se superou dessa vez. Está certo que Tempos de Paz é um mérito muito mais de seus protagonistas, Tony Ramos e Dan Stulbach, do que, propriamente, do diretor. Porém, Daniel Filho - o mesmo das tramas novelísticas de Se eu fosse você 1, 2 e o futuro 3,  - teve a sensibilidade de projetar para o cinema a aclamada peça teatral estrelada pelos mesmo atores, Novas diretrizes em Tempos de Paz. Além disso, o filme teve um orçamento de baixo custo (1,5 milhão de reais) e  foi  gravado em apenas 10 dias.
Tempos de paz apresenta um enredo histórico, pois retrata a ditadura varguista, o Estado Novo, que compreendeu os anos de 1937-1945. O filme trabalha bem as questões que caracteriza uma ditadura: censura, perseguição, tortura, prisões e, principalmente, a violência física e psicológica decorrentes do período. Esse é um ponto positivo da trama, uma vez que, na história brasileira, a ditadura varguista sempre ocupou um lugar secundário se comparado a militar, seja pelo tempo menor em que vigorou ou, talvez, pela política "populista" (via criação de uma legislação social e trabalhista) empregada por Vargas que, de certa forma, camuflou tais aspectos totalitários. Digo secundário no sentido de que, por vezes, a violência desses períodos são colocados em uma balança e comparada, atitude essa que deixa de considerar importantes nuances do contexto histórico em que lhes são referentes. Ora, a violência, seja ela em maior ou menor grau, não deixa de ser alarmante por isso. Um regime ditatorial, sendo esse militar ou não, fere, além dos nossos direitos "democráticos", (as aspas são totalmente válidas, principalmente quando pensamos que se vivessemos numa democracia de fato, o voto e o alistamento militar não teriam que ser necessariamente obrigatórios) as liberdades pessoais do indivíduo, necessitando, para tanto, o uso de uma força desmedida, violenta, para se manter a "ordem".
Mas voltando ao filme, como disse, a trama retrata muito bem esses aspectos. Ela traz a história de Segismundo e Clausewitz, dois sujeitos totalmente opostos, cujas histórias se encontrarão no meio de um interrogatório da imigração.  O título do filme, Tempos de Paz, refere-se ao fim da Segunda Guerra Mundial e a adoção de novas diretrizes políticas para o momento. Segismundo, ex-torturador e oficial da polícia do governo, por exemplo, já tinha sido remanejado para o Departamento de Imigração em funçao do conflito.  Sua missão, na alfândega, seria empregar uma política de "caça aos nazistas e aos comunistas". Entretanto, com o cessar dos canhões, esse seu trabalho, novamente, já não fazia mais sentido para o governo brasileiro.  Sentia-se como se seus serviços que ora foram tão valorizados, já não eram mais úteis ao regime. Aliás, um dos ponto altos da película é a forma com que Segismundo (Tony Ramos), já como ex-oficial da polícia de Vargas, conta, com uma frieza ímpar, alguns do processo de tortura que empregou. Assim, nesses novos tempos, Segismundo passa a temer também uma possível vingança dos prisioneiros que torturou.
Clausewitz ao aportar em terras brasileiras fica maravilhado com a possibilidade de uma vida nova no estrangeiro. Na alfândega, seu erro foi recitar, de forma emocionada, um poema de Drummond, pois além de explicitar certo domínio pela língua portuguesa, ainda deixou intrigrado o agente da imigração, pelos dizeres  de O poeta é um fingidor - Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Clausewitz foi levado para o interrogatório. O interrogador? Segismundo.  Ele fez de Clausewitz seu último caso na alfândega. Como seu passaporte atestava que era agricultor, Segismundo começa a desconfiar do polonês pelas mãos lisas que apresenta e também pela inexistência de bagagens. Clausewitz, porém, não tem nada a oferecer além de suas memórias manchadas pela guerra. Num jogo de diálogos interessante, Tony e Dan, enquanto atores, envolvem-se no drama, com atuações pra lá de excepcionais.  Nesse contexto, o surpreendente acontece: o monólogo de Dan, de fato, faz chorar.

Abro um parênteses. Caro leitor, se durante sua sessão cinema o papel exercido por Dan lhe intrigar, lhe trazer dúvidas como: - Isso não me é estranho... Fique tranquilo! De fato, o Clausewitz muito te lembrará Viktor Navorski em O Terminal. Ou seja, não será só a semelhança física entre Dan Stulbach e Tom Hanks que te perturbará, mas também a semelhança dos papéis e do roteiro apresentado sobre o personagem. Fecho parênteses.

Emocionante e teatral. Essas são as características do filme. Recomendo a todos aqueles que clamam por grandes atuações e belas produções.


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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Cinema e história: socialismo, capitalismo e os ideais (revolucionários ou não) de felicidade

O cinema alemão tem investido cada vez mais nas temáticas sócio-revolucionárias, recheadas de críticas ácidas tanto ao capitalismo quanto ao socialismo. Além disso, tais enfoques buscam debater também sobre a quebra e mudança de valores, paradigmas e ideais de igualdade na sociedade contemporânea.  Antes de listar alguns deles aqui, é preciso abrir um parênteses sobre qual socialismo e capitalismo as películas retratam. Primeiro, é preciso se ater que aquele socialismo defendido por tantos e tantos jovens nos anos de 1970/80 não se concretizou, uma vez que a política violenta de Stalin desiludiu e castrou as liberdades pessoais de grande parte dessa geração. Dessa forma, os filmes que irei abordar buscam, justamente, apontar severas críticas a política socialista-stalinista e a abertura da Alemanha Oriental ao capitalismo. Quanto ao capitalismo, é preciso lembrar que esse, naquele momento, se encontrava em seu estágio de reconstrução, ainda muito longe do poder e influência que alcançou hoje, graças as práticas políticas que, de certa forma, incentivaram esse processo, como o neoliberalismo. 
Ao pensar nesse post, uma indagação me surgiu: quando pensamos em duas propostas políticas e econômicas tão antagônicas como o socialismo e o capitalismo, qual é a fronteira que delimita o que, de fato, é conservador e o que é revolucionário? Se vivemos num regime mediado pelo capital, aqueles que assim o defendem, dessa forma, são os conservadores. Mas se vivessemos numa época baseada em alguns dos princípios do socialismo, os socialistas seriam assim os conservadores? Ou seja, o conceito de conservadorismo, por exemplo, é inócuo, vazio, oco e de nada serve, pois, ao final, ele sempre jogará ao lado de quem está ganhando...

Enfim, ironias a parte... Durante a apreciação crítica dessas obras busquei, a todo instante, evitar certos anacronismos não só temporal, mas também ideológicos. Porém, isso não implica no fato que você, caro leitor, não possa ter uma visão diferente da minha, aliás, isso somente enriqueceria ainda mais o debate. Sendo assim, esteja a vontade para fazer qualquer objeção que achar necessária...

Vamos aos filmes...


Cronologicamente, Adeus Lenin! (Good Bye Lenin!), realizado em 2003, estréia o bloco de filmes inteligentes, bem construídos e historicamente datados na Alemanha Oriental e nos bastidores da queda do Muro de Berlim. A película navega entre o drama e a comédia, já que seu enredo é conduzido com uma sutileza humorística digna de nota. Afinal, me pergunto: Como o adolescente Alexander poderia contar para sua mãe que todos os ideais que ela tanto acreditara caíra por terra, juntamente com o muro de Berlim, enquanto esteve em coma? Nesse sentido, Alex passa a criar, para a mãe, uma ficção da Alemanha Oriental de outrora, essa que já começava a sinalizar positivamente para o capitalismo, por meio de bandeiras e outdoors de grandes empresas, como a Coca-cola. E é nessa busca incessante de Alex por produtos, roupas, acessórios dos tempos idos que o riso é proporcionado, no esforço do jovem em preservar sua mãe de emoções fortes que pudessem abalar seu fraco coração. O filme possui uma trilha sonora excelente e a trama, como já ressaltei, muito bem conduzida e trabalhada, proporcionando ao telespectador a reflexão sobre as mudanças sociais - de comportamentos, hábitos, enfim - provocadas pela queda do Muro de Berlim, essa que simbolicamente retratou a entrada da Alemanha Oriental na "sociedade do espetáculo" incentivada pelo consumismo oriundo do capitalismo.
  
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Em 2004, surge no universo cinematográfico Os educadores, (The Edukators). Daniel Bruhl aparece agora personificado como Jan (e não mais como Alexander de Adeus Lenin!), um jovem idealista que realiza protestos pacíficos com seu velho amigo Peter e, mais tarde, com a bela Jule. Auxiliados pela profissão de Peter - instalador de alarmes - os amigos iniciam uma série de invasões de domicílio cujo intuito principal é provocar medo, ou melhor, mostrar que mesmo em meio a tanto dinheiro, essas pessoas não ficam imunes a insegurança. Para tanto, esses educadores do mundo contemporâneo criam frases de efeito, como Seus dias de fartura estão contados. O belo e interessante dessa produção concentra-se nos diálogos empregados por meio de dois discursos antagônicos - um revolucionário e outro conservador - ou melhor, o dos três jovens e o do senhor raptado em uma das invasões que fracassou. Nessas conversas podemos identificar os velhos e ainda fracos argumentos que muitos ainda utilizam para defender um ideal, tipo "Eu paguei por tudo que tenho" ou então, do outro lado, "as crianças asiáticas trabalham como escravas para que pessoas como você tenha um carro como esse" e por aí vai. Porém, no decorrer da cena, em meio a tanto confronto, os dois grupos fornecem uma trégua um a outro, proporcionando que seus interlocutores passam a ser, dessa forma, mais ouvidos. Assim, os dois grupos, gradualmente, começam a perceber que há muito mais nos outros do que possam imaginar, questão essa que é evidenciada na cena na qual o senhor se identifica, em partes, com algumas ambições idealistas dos jovens. O final não é tão previsível assim como se pode imaginar...

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Para finalizar, não menos importante é o belíssimo A vida dos outros (Das lebens der anderen), de 2006. De forma similar ao Adeus Lênin, a trama também se concentrará na Berlim Oriental pré e pós-queda do Muro de Berlim. Porém, a atenção agora concentra-se na Stasi, a polícia secreta da antiga Alemanha Oriental, essa que mantinha uma política agressiva de fiscalização e perseguição a todo e qualquer cidadão que se opusesse ou criticasse o Grande Irmão, ou melhor, o regime em vigor. Um dos pontos altos desse filme é abordagem sobre as práticas de corrupção que se fizeram presentes no regime socialista, essas que, embora privilegiassem, de certa forma, o Grande Irmão, também eram empregadas com o fim de obter benefícios particulares e individuais. Além disso, outro ponto auge é a amostra do lado humanitário desse regime marcado por censuras, perseguições, torturas e mortes. Aqui, o grande destaque é a atuação brilhante do capitão da Stasi, Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), quando recebe a missão de vigiar e investigar o casal Georg Dreyman (Sebastian Koch), importante dramaturgo e sua namorada Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), famosa atriz de teatro. A partir daí o filme é envolvido por um clima de suspense a la Hitchcook, já que Wiesler começa a se envolver cada vez mais com o romance e dia-a-dia do casal. Não apenas como policial, mas também como voyer, Wiesler se esforça para cumprir sua missão e, ao mesmo tempo, saciar suas curiosidades pessoais sobre a vida do casal.



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