Música

domingo, 1 de abril de 2012

O Frankestein moderno de Almodóvar: "A pele que habito"

Em mais uma de suas super produções, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar consegue surpreender novamente. Seu "ator" pródigo, Antônio Bandeiras, no papel do cirurgião plástico Richard Legrand, traz à tona uma tônica de discussões na qual a ciência e a sétima arte recriam, por assim dizer, um neofranskestein.

 

Navegando entre o suspense e a ficção científica, Almodóvar conta a história familiar trágica de Richard Legrand. Richard tenta, aos poucos, se recuperar das suas perdas familiares: primeiro, sua esposa, essa que se suicidou ao se deparar com as marcas que o incêndio lhe deixou e, mais tarde, sua filha, que também se suicidou ao passar pela experiência traumática de um quase estupro.
Aos poucos, a trama estabelece as características principais desse personagem, traçando-o como um cirurgião plástico bem sucedido, com ideias avançadas para o seu tempo, porém perturbado com as tragédias vivenciadas. O tempo da narrativa é calcado, ironicamente, no ano de 2012, o nosso presente.
Obstinado com sua ciência, Richard inicia uma insaciável busca de construção da pele perfeita - um mistura de DNA humano com o de suínos - essa que poderia ter impedido o suicídio de sua esposa. Numa tentativa de se vingar do agressor de sua filha, Richard utiliza-se do corpo do rapaz para começar a colocar em prática suas teorias científicas. Concomitante a isso, ele busca construir, em sua imagem e perfeição, os traços de sua amada.
A referência analógica aqui estabelecida entre a criação de Richard e o famoso Frankestein está associada à relação estreita evidenciada entre criador (o médico/ cientista) e criatura (o chamado "monstro") e a tentativa iminente de se criar um super-homem, no sentido mais literal do termo, imune a qualquer dano epitelial.
A ideia de monstro é, na maioria das vezes, associada à criação de um ser artificial, a partir de um laboratório e não pelas vias caracterizadas "normais" de reprodução, isto é, entre um homem e uma mulher. Essa questão também fora colocada em voga quando se iniciou o aparecimento de clínicas de fertilidade e a possibilidade da fecundação de um óvulo sem a necessidade do ato sexual. A inseminação artifical ou a fertilização in vitro ainda é vista por muitos conservadores como um ato moralmente inaceitável, já que coloca seres humanos na condição de mercadorias a serem fabricadas.
Mas o trunfo de A pele que habito (e, sem dúvida, de Almodóvar) não é questionar sobre a monstruosidade ou não do ser criado artificialmente. Já é sabido da identificação e relação estreita que o diretor possui com as temáticas sobre gênero e sexualidade. Ao transformar cientificamente um homem em uma mulher, Almodóvar adentra, direta e indiretamente, no universo da transexualidade, ou seja, na possibilidade da mudança de sexo, questão muito debatida e já realizada nos dias atuais. Quebrando qualquer discussão que possa permear o senso comum, Almodóvar possibilita a reflexão sobre a dor de não ser aquilo que se deseja ser, já que produz um ser que não se identifica com o corpo que habita, ou seja, um transexual. Por fim, nos diálogos finais, o diretor ainda aponta, mesmo que rapidamente, a dificuldade que é de possuir um corpo no qual, biologicamente e socialmente, é identificado por suas características formais e superficiais, sem se levar em conta o psicológico do sujeito, isto é, como ele se imagina ser.
A genialidade de Pedro Almodóvar repousa no âmago das questões em que ele se habilita a discutir, além da mescla de gêneros e dos sistemas de referências que se utiliza para realizar tal ação. No momento atual, A pele que habito (2011) se caracteriza como uma obra-prima pela coragem, primazia e sensibilidade em que trata as polêmicas das problemáticas da contemporaneidade.

Trailer de A pele que habito
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