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domingo, 14 de agosto de 2011

A desigualdade dos iguais: Orgulho Gay e Hétero em foco

 
     Uma das discussões mais calorosas desse ano gira em torno da homossexualidade e, sobretudo, da conquista do direito da união homoafetiva regulamentada, isto é, a instituiçao do casamento gay. Logicamente que tal processo não seria realizado sem oposições e, dessa vez, a resistência está do outro lado, ou melhor, na ala conservadora da sociedade, essa que se fundamenta em seus princípios "ético-religiosos". É nesse contexto que se localizam as discussões entre a legalidade do dia do Orgulho Gay e, agora, do Orgulho Hetero. 
      Mas vamos por partes. É preciso, primeiramente, uma explicação conceitual do termo ORGULHO. Dentro do movimento LGBTs, tal conceito tem seu fundamento político e histórico, pois refere-se a uma reação positiva a toda forma de tratamento destinada a seus membros que vise deturpá-los enquanto seres humanos, classificando-os enquanto pessoas menores, aberrações, propagadores do vírus do HIV, criminosos, anormais. A origem desses enunciados se localizam justamente na "moralidade" promulgada por algumas religiões - moralidade, que, diga-se de passagem, é falsa, pois muitos desses ditos "religiosos" praticam atos pra lá de ilícitos. Esses discursos são as principais justificativas dadas por muitos homossexuais em se manter trancafiados no "armário", protegendo-se assim, do preconceito social e familiar. O orgulho, nesse sentido, é a base da reconstrução da auto-estima desses sujeitos, um mecanismo de integração social, já que se apresenta também como uma forma de deixar de lançar mão do "armário" como escudo protetor. O Orgulho Gay vai ainda mais longe, pois ousa bater de frente com esses discursos, através da alegria da Parada Gay, colocando-se em igualdade de direitos enquanto ser humano como qualquer outro. 
      Além disso, a criação do Dia do Orgulho Gay também é historicamente datada, pois refere-se ao movimento de Stonewall, ocorrido em 28 de junho de 1969 em Nova York, que tinha, entre os objetivos dos homossexuais discriminados, a reivindicação de seus direitos enquanto cidadãos na suposta democracia em que o Estado se fundamentava. 
      Frases como a do criador do projeto de lei do Dia do Orgulho Heterossexual, vereador Carlos Apolinário (DEM): “A criação do Dia do Hétero não simboliza uma luta contra a figura humana dos gays, e sim contra aquilo que considero que são excessos e privilégios” não tem fundamento algum. Não é um privilégio ser assassinado, vítima de preconceito e discriminação. Não é um privilégio a burocracia do processo de adoção a um casal gay. Não é um privilégio a televisão brasileira insistir em retratar homossexuais por meio de estereótipos generalizantes. Assim, não é um excesso a tentativa de se reafirmar perante uma sociedade machista e preconceituosa que nega direitos aos seus iguais. Se houvesse o reconhecimento da "figura humana de gays", negros ou de outras vítimas do preconceito, certamente esse ato político de orgulho e reafirmação de uma identidade não precisaria ser realizado.
      E o Orgulho Hetero? Qual seria a necessidade de afirmação dessa identidade? Uma tentativa desesperada de se afirmar enquanto ser humano mais igual que os demais? Como diria Ferreira Gullar no texto elencado abaixo ou Humberto Gessinger, "São todos iguais, e tão desiguais, uns mais iguais que os outros". Bom, felizmente agora pouco me deparei com um pronunciamento do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, anunciando que vetará o projeto de lei aprovado na Câmara de São Paulo no dia 02 de agosto. Aos que ainda insistirem nessa ideia, é bom repensar alguns conceitos, afinal alguma coisa deve estar errada aí, pois, provavelmente, é a sexualidade dos mesmos que deve estar estremecida pela "ditadura gay" (conforme o próprio Apolinário) e precisando ser reafirmada.

Fiquem com o reflexivo texto de Ferreira Gullar - A desigualdade dos iguais - e o belíssimo curta de André Matarazzo e Gustavo Ferri - Não gosto dos meninos.

A desigualdade dos iguais

Em tempos remotos, quando os deuses falavam pela boca dos loucos, o conceito de justiça se limitava à obediência às normas que regiam a sociedade.

Não se cogitava alterar as relações de propriedade, uma vez que, conforme a crença geral, quem era rei ou nobre o era por determinação divina, resultando daí que rebelar-se contra a desigualdade era rebelar-se contra os deuses. Não obstante, já então, de um jeito ou de outro, o senso de justiça era a base da vida comunitária. Donde se conclui que a noção do que é justo pode variar, mas, sem ela, a sociedade humana torna-se inviável.

"O homem é injusto e, não obstante, inventou a Justiça", dizia o filósofo Krinópolus, num texto célebre em que demonstrava como, mesmo nas comunidades mais antigas, já esse conceito estava presente. E citava o exemplo de uma cidade onde o assassinato impune de seu jovem rei pesava sobre a consciência de todos, como uma espécie de culpa coletiva.

Ele saíra sozinho em passeio pelas cercanias da cidade, como costumava fazer, e não voltou. Durante toda a noite, sua esposa esperara por ele inutilmente e, na manhã seguinte, chegou a notícia de que um camponês o encontrara morto numa estrada deserta. Quem o poderia ter assassinado, se ele era um rei cordato, justo e generoso? Não se sabia.
Depois de muito chorar, a rainha terminou por se apaixonar por um jovem forasteiro que viera servir no palácio e com quem se casou. O novo governante mostrou-se igualmente bom e generoso, para a alegria de todo o povo. Não obstante, nunca mais aquela cidade foi feliz. Pragas freqüentes dizimavam centenas de pessoas, levando o luto e o sofrimento às famílias. "É que a justiça não foi feita", advertiam os mais velhos, "o assassino de nosso jovem monarca continua impune".

Não vou me ocupar dos detalhes desta história, mas o certo é que aquela comunidade só voltou a ter paz depois que o crime foi punido. Pode até ser que o criminoso fosse outro, mas, para todos os efeitos, a justiça foi feita.

Foi necessário que muito tempo passasse até alguém se dar conta de que todas as pessoas são iguais e, por isso, para haver justiça, seria necessário que a riqueza da sociedade fosse dividida entre todos igualmente. Mas como conseguir isso? Os adeptos da igualdade acreditaram que aquela era uma verdade tão evidente que todos logo adeririam a ela -e começaram a pregá-la. Para surpresa deles, os ricos não apenas se negaram a dividir o que possuíam como passaram a perseguir os defensores da igualdade.

Diante disso, convenceram-se de que o único modo de alcançar seus objetivos era, em vez de tentar convencer os ricos a dividir sua riqueza, procurar convencer os pobres de que tinham direito a ela e deveriam tomá-la. "Os ricos são poucos, e os pobres são muitos, logo venceremos a disputa." Mas, para isso, observou alguém, terão que tomar o poder e mudar as leis.  

Depois de muita luta, os ricos foram destituídos de suas funções de governo e seus bens passaram à propriedade comum da sociedade. "Agora, a riqueza é de todos", proclamaram os novos governantes, sem saber ainda como dividi-la de modo justo e equânime. Além disso, não apenas os ricos possuíam terras e bens; um número grande de pessoas também os possuía, ainda que em menor quantidade e às custas de seu trabalho.

Seria justo tomar-lhes esses bens? A opinião dos novos dirigentes se dividiu, já que uma parte deles afirmava que se devia respeitar esse tipo de propriedade. Não, afirmavam outros, ninguém deve ter nenhuma propriedade, tudo será do Estado, que proverá as pessoas segundo sua necessidade.

Parecia justo, mas os bens existentes -terras, animais, arados, máquinas, casas, alimentos- não eram em quantidade suficiente para atender à necessidade de todos. Como escolher os que receberiam bens agora e os que teriam de recebê-los mais tarde? "Os que lutaram pela nova sociedade devem ter preferência", argumentou alguém, e esse argumento pareceu razoável, embora implicasse estabelecer um novo tipo de desigualdade, a desigualdade provisória.

No entanto, não se sabe se os desacreditados deuses, ou os demônios, conspiraram para que uma série de calamidades caísse sobre aquela gente bem-intencionada, agravando-lhe as condições de vida: inundações, estiagens, invasões -o que veio tornar cada dia mais difícil atender aos que nada haviam recebido na primeira partilha. O descontentamento foi se disseminando entre os desfavorecidos, e uma nova rebelião parecia ameaçar o regime.

O problema é que, se todos os homens são iguais, existem aqueles que são mais iguais.

Ferreira Gullar
Fonte: Folha de São Paulo

Curta-metragem: "Não gosto dos meninos"

 

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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Secret Window - Janela secreta

Mais um drama psicológico de tirar o fôlego. Assim como em Cisne Negro, o protagonista arrasa na atuação, essa que é realizada pela execução do papel de um escritor de sucesso, Mort Rainey (Johnny Depp). A produção é uma adaptação do livro de Stephen King, Secrete Window, Secret Garden. Diga-se de passagem, Janela Secreta, de 2004, é uma adaptação muito bem feita. A partir da atuação de Johnny Depp, a película consegue passar e deixar aquele sentimento de suspense no ar, característica marcante de Stephen King. Mort Rainey é um escritor de suspense famoso, mas que passa por alguns problemas pessoais. Com a traição da esposa, o divórcio e o bloqueio intelectual/ literário, Mort passa a estrelar seu próprio drama, uma bipolaridade literal. Depp conduz a trama magistralmente, concentrando toda a atenção da produção em sua arrepiante atuação. A graciosidade de seu humor confere a película uma característica singular, única, já que dificilmente se faz presente em produções como essas. O cabelo loiro cuidadosamente desajeitado, sem dúvida, é um dos fatores risíveis do filme e do personagem inconsequente de Depp. O ator consegue combinar charme, humor, suspense e loucura num mesmo personagem e ainda deixá-lo simpático aos olhos do público. Por fim, o filme também traz à tona um elemento bastante discutido no meio acadêmico atual: o plágio. O escritor Mort tentará, ao longo de toda a trama, entender e se defender da acusação de plágio sofrida por um fazendeiro texano pra lá de estranho: o durão Shooter.
Voltando, aos poucos e devagar, do hiato aqui no blog, recomendo essa produção. Um dos filmes preferidos e indicação de Patrícia Correa.

Para baixar é só clicar no título do post.

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