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segunda-feira, 30 de abril de 2012

O caleidoscópio do real: o 13º andar

Matrix inaugurou uma nova era no universo cinematográfico e intelectual. No entanto, ao meu ver, a preferência da academia em torno de Matrix refere-se muito mais ao sucesso sensacionalista que o filme obteve nas bilheterias, do que propriamente às reflexões que gerou. Pensem comigo: se somarmos uma trama inovadora para época (intitulada até mesmo de revolucionária) em termos de ficção, mais a ação desenfreada proporcionada pelas lutas marciais junto aos seus respectivos efeitos visuais (sobretudo o Bullet Time, na famosa cena de Neo se desviando das balas) e, como pano de fundo, inteligências artificiais num universo tomado pela incerteza do que é propriamente real. Sem contar que o filme conta com a atuação do "galã" do momento, trazendo ainda mais público para apreciar o charme dark e avassalador de "Neo". BOOOOOM! Sucesso na certa!
Mas pouca gente sabe que, no mesmo ano em que Matrix fora feito, em 1998, com lançamento também em 1999, outro filme com temática hi-tech fora feito. Porém, ao contrário do blockbuster Matrix, 13º Andar perde em termos de orçamento, englobado, assim, na categoria cult.



Isso faz muita diferença na parte estética do filme, já que evidencia a precariedade do cenário e, principalmente, dos efeitos visuais. Por outro lado, a película ganha, e muito, no teor das discussões filosóficas que apresenta.
Iniciado com uma locução off de René Descartes - Penso, logo existo - o filme busca desafiar os limites da existência humana, associando tecnologia computacional à realidade virtual. Essa virtualização do real é evidenciada através da criação de unidades autômatas, ambientes e seres virtuais, inspirados em sujeitos e experiências reais, idealizados por um criador. 
Não podemos deixar de esquecer que a produção cinematográfica é fruto do imagínário de uma época. No caso em questão, de um período marcado por avanços tencológicos, especialmente no ramo da computação, pós-criação do Windows 95. Esse momento fora marcado por especulações em torno das potencialidades dessas tecnologias virtuais. Portanto, assim como Matrix, 13º andar cumpre a missão de apresentar a tecnologia computacional como mediação possível da transcedência espiritual. A diferença consiste na ausência da apelação, já que em 13º andar o próprio telespectador é levado a pensar, refletir sobre o destino da condição humana. Nesse sentido, as conclusões ou considerações são infinitas, pois não são dadas, mas construídas pelas impressões daquele que telespecta a película. 
Digo isso, porque em Matrix as referências filosóficas e místicas são colocadas como forma de justificar a narrativa e todo o balé dos efeitos visuais e da saga de seu personagem principal, apontando, assim, dois aspectos negativos da produção: primeiro, a atenção demasiada dada a ação e aos efeitos sensacionalíticos, esquecendo-se de amarrar a trama a um bom roteiro narrativo e segundo, o julgamento equivocado sobre a incapacidade de reflexão do telespectador, suscitando justificativas ou respostas demais à perguntas que, talvez, deveriam ter sido deixadas no ar.
13º andar revela a existência de camadas sobrepostas de realidade, focando a narrativa no campo metafísico. No entanto, a produção não deixa de notar seu aspecto político, esse que, no caso, é proposto pelo poder que circunda a mente daquele que usufrui da técnica de "correspondência" do campo de simulação, poder esse emanado através da possibilidade de ser o outro e do seu controle sobre o mesmo. De forma categórica, poderíamos classificar esses níveis de realidade, conforme sugere a narrativa, em três, sobrepostos em uma escala ascendente: Los Angeles de 1937, Los Angeles de 1998, Los Angeles de 2024. Curiosamente a Filosofia Hermética (influenciada pela metafísica platônica, na qual o o mundo dos sentidos nada mais é do que formas distorcidas do mundo das ideias) sugere a existência de três planos de correspondência, também descrito em graus ascendentes: o Plano Físico, o Mental e, por último, o Espiritual.
A grande sacada da produção é iniciar a narrativa nem do começo, nem do fim, mas justamente do meio, ou melhor, o nível intermediário de realidade. Além disso, a saga do personagem principal em desvendar um crime que supostamente ele próprio cometeu sugere à trama um suspense numa medida mais que precisa. 

Trailer 13º Andar

O roteiro do filme foi baseado no livro "Simulacron 3" de Daniel Galouye (1964) e adaptado por Josef Rusnak às problemáticas e questões que nortearam os anos 1990. Para aqueles que se interessar, assistam ao filme e atente-se as particularidades de cada nível de realidade refletindo sobre suas adequações aos planos de correspondência a que possivelmente estariam fazendo referência.

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domingo, 1 de abril de 2012

O Frankestein moderno de Almodóvar: "A pele que habito"

Em mais uma de suas super produções, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar consegue surpreender novamente. Seu "ator" pródigo, Antônio Bandeiras, no papel do cirurgião plástico Richard Legrand, traz à tona uma tônica de discussões na qual a ciência e a sétima arte recriam, por assim dizer, um neofranskestein.

 

Navegando entre o suspense e a ficção científica, Almodóvar conta a história familiar trágica de Richard Legrand. Richard tenta, aos poucos, se recuperar das suas perdas familiares: primeiro, sua esposa, essa que se suicidou ao se deparar com as marcas que o incêndio lhe deixou e, mais tarde, sua filha, que também se suicidou ao passar pela experiência traumática de um quase estupro.
Aos poucos, a trama estabelece as características principais desse personagem, traçando-o como um cirurgião plástico bem sucedido, com ideias avançadas para o seu tempo, porém perturbado com as tragédias vivenciadas. O tempo da narrativa é calcado, ironicamente, no ano de 2012, o nosso presente.
Obstinado com sua ciência, Richard inicia uma insaciável busca de construção da pele perfeita - um mistura de DNA humano com o de suínos - essa que poderia ter impedido o suicídio de sua esposa. Numa tentativa de se vingar do agressor de sua filha, Richard utiliza-se do corpo do rapaz para começar a colocar em prática suas teorias científicas. Concomitante a isso, ele busca construir, em sua imagem e perfeição, os traços de sua amada.
A referência analógica aqui estabelecida entre a criação de Richard e o famoso Frankestein está associada à relação estreita evidenciada entre criador (o médico/ cientista) e criatura (o chamado "monstro") e a tentativa iminente de se criar um super-homem, no sentido mais literal do termo, imune a qualquer dano epitelial.
A ideia de monstro é, na maioria das vezes, associada à criação de um ser artificial, a partir de um laboratório e não pelas vias caracterizadas "normais" de reprodução, isto é, entre um homem e uma mulher. Essa questão também fora colocada em voga quando se iniciou o aparecimento de clínicas de fertilidade e a possibilidade da fecundação de um óvulo sem a necessidade do ato sexual. A inseminação artifical ou a fertilização in vitro ainda é vista por muitos conservadores como um ato moralmente inaceitável, já que coloca seres humanos na condição de mercadorias a serem fabricadas.
Mas o trunfo de A pele que habito (e, sem dúvida, de Almodóvar) não é questionar sobre a monstruosidade ou não do ser criado artificialmente. Já é sabido da identificação e relação estreita que o diretor possui com as temáticas sobre gênero e sexualidade. Ao transformar cientificamente um homem em uma mulher, Almodóvar adentra, direta e indiretamente, no universo da transexualidade, ou seja, na possibilidade da mudança de sexo, questão muito debatida e já realizada nos dias atuais. Quebrando qualquer discussão que possa permear o senso comum, Almodóvar possibilita a reflexão sobre a dor de não ser aquilo que se deseja ser, já que produz um ser que não se identifica com o corpo que habita, ou seja, um transexual. Por fim, nos diálogos finais, o diretor ainda aponta, mesmo que rapidamente, a dificuldade que é de possuir um corpo no qual, biologicamente e socialmente, é identificado por suas características formais e superficiais, sem se levar em conta o psicológico do sujeito, isto é, como ele se imagina ser.
A genialidade de Pedro Almodóvar repousa no âmago das questões em que ele se habilita a discutir, além da mescla de gêneros e dos sistemas de referências que se utiliza para realizar tal ação. No momento atual, A pele que habito (2011) se caracteriza como uma obra-prima pela coragem, primazia e sensibilidade em que trata as polêmicas das problemáticas da contemporaneidade.

Trailer de A pele que habito
Para baixar é só clicar no título do post.

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