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domingo, 25 de março de 2012

Realidade ou ilusão? Com vocês, apresento Mais estranho que a ficção!

A película de hoje oferece uma reflexão óbvia sobre o nosso cotidiano contemporâneo:  Carpe diem! Aproveite a vida, da melhor forma possível, já que ela é - ou pelo menos deveria ser - bela. Blá, blá, blá. Essa lição de moral já está óbvia demais nos dias de hoje, certo? Errado! Contada de forma certa, no equilíbrio entre o drama e a comédia, Marc Foster, diretor do primoroso filme Mais estranho que a ficção (2006) mostra que se pode abordar tais aspectos de uma forma irresistível, excêntrica e muito particular.


A trama conta a história de Harold Crick, um metódico e solitário auditor da Receita Federal e sua vida regradamente cronometrada e sistematizada nos mínimos detalhes. A rotina de Crick é tão ordenada que ele cronometra o tempo das atividades diárias mais simples: escovar os dentes, tomar café da manhã, pegar o ônibus para o trabalho, etc. Uma agulha folha desse palheiro sinaliza, para Crick, a desordem e caos total. Porém, certo dia, ao contar o número exato de "escovadas" que deveria realizar em seus dentes, o auditor começa a ouvir uma voz feminina, narrando detalhadamente seu ato. Nesse caso, tal voz estaria realizando o papel de narradora de uma obra literária. Como um clímax preliminar dessa narrativa, a narradora deixa escapar que os dias de Crick estão contados, deixando-o intrigado com essa situação.
Antes de supor que esse é mais um filme cult que "não se tem pé, nem cabeça", a produção ganha sustentabilidade por meio de seu roteiro. A trama, a partir daí, é belamente traçada, atando todos os pontos desse mistério: o aparecimento da famosa escritora que desesperadamente se coloca à procura de seu feeling literário, o professor de literatura que auxilia Crick na resolução desse mistério, a nova e arrasadora paixão do auditor, Anna, a confeiteira, e, um personagem pra lá de secundário - talvez o único ponto negativo da produção - a assistente da escritora que a ajuda a se livrar do bloqueio artístico, interpretada pela talentosa - porém, mal utilizada - Queen Latifah.
Ao lado do inebriante roteiro, as atuações também são primorosas. Maggie Gyllenhaal, com toda sua delicadeza e suavidade parece nos explicar muito bem porque Crick apresenta tamanho encantamento por Anna Pascal. Emma Thompson, na personagem da escritora-narradora Kay Eiffel, apesar dos trejeitos caricatos exagerados mostra que a publicação de sua obra é, de fato, um caso de vida ou morte - da sua vida e da morte de seu personagem. Dustin Hoffman faz o professor de literatura e seu sarcasmo intelectualizado adiciona ao filme uma excentricidade única, conduzindo o espectador trama à dentro na busca pela resolução do mistério de Crick.
Por fim, com uma interpretação precisa e risivelmente séria, Will Ferrel, no papel de Harold Crick, parece deixar de lado o riso escrachado que sempre procurou provocar. Caminhando na trilha de atores cômicos como Jim Carrey, Ferrel buscou encontrar seu caminho dentro dessa trama pautada pela reflexão filosófica em torno da irônica existência humana. Mais estranho que a ficção, é risivelmente dramático e autorepresentativo, já que todos nós, no fundo, no fundo, nos parecemos com Harold Crick. Sem dúvida é uma boa pedida para esse fim de tarde de domingo.

Trailer do filme Mais estranho que a ficção


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domingo, 18 de março de 2012

A autocracia irracional: a contaminação de A onda

Enfim, a estreia do primeiro post de 2012.
Como sugestão de um leitor, acrescentarei à trilogia indicada no post "Cinema e história: socialismo, capitalismo e os ideais (revolucionários ou não) de felicidade" o filme A onda (2008).


A onda (em alemão é Die Welle, em inglês The Wave) simboliza a concretude dos anseios de práticas políticas desvirtuadas no coração de uma juventude desvairada. Sendo tambem uma produção cinematográfica alemã, a película busca tratar criticamente os efeitos sociais causados por práticas governamentais autoritárias que seu país já vivenciou. O diferencial do filme é a trama, essa que se agrega ao âmbito educacional, levantando possibilidades de como se trabalhar temas políticos em sala de aula de uma forma mais prática, mais vívida. O problema é quando a prática é tomada em sua forma concreta na vida realmente dita, na qual alguns não conseguem dissociar o aprendizado de seus próprios anseios pessoais. Digo isso, pois a trama evidencia uma das características mais polêmicas do meio social e cultural: o poder da manipulação.
Mas vamos por partes e começar, é claro, do início. Baseado em fatos reais, o filme conta a história de um professor de segundo grau - Rainer Wenger - que, em uma disciplina de curta duração, recebeu a difícil tarefa de trabalhar o tema Autocracia. O assunto se mostrava pouco atrativo aos alunos e, como estratégia, Rainer buscou aliar sua simpatia e carisma com os educandos a uma aula mais prática do que teórica. A ideia era mostrar aos alunos que, para um sistema governamental ser capaz de se gerir através de um único detentor do poder, torna-se preciso seguir certas regras para conseguir, com êxito, penetrar no jogo político e nas mentes e corações da população. Para tanto, o professor se utiliza dos signos dos principais governos autoritários da história: o nazi-fascismo. As primeiras dessas regras seriam, respectivamente, a Ordem e Obediência em torno da figura do futuro líder. No caso, como fruto dessa aula prática, o "poder pela disciplina" deveria ser imposto conforme o sistema hierárquico da própria sala de aula, ou seja, o líder seria encarnado na figura do Professor Rainer. Proclamado líder, o professor segue fomentando as indicações dos próprios alunos, esses que sugerem, a fim de se obter identidade e unicidade para o grupo, várias outras regras, tais como: um Nome (A Onda), um Símbolo (a própria onda desenhada por um dos alunos e destacada com a cor vermelha, como mostra o cartaz do filme), uma Saudação (o sinal da onda feito com as mãos) e um Uniforme (camisa ou camiseta de cor branca).
Em sala de aula, o professor vê o resultado concreto de cada pequena imposição sugerida nos ânimos acalorados dos alunos. Porém, tal prática expressa também várias consequências, já que o grupo rapidamente se dissipa na escola e os jovens começam a discriminar qualquer um que não faça parte ou que não compartilhe da mesma ideologia. O grupo se torna um movimento coletivo marcado pela irracionalidade dos jovens-membros em benefício a uma suposta ordem, união e identidade. No fim, a película encontra seu clímax, evidenciado pela tragédia quando Rainer tenta acabar com o movimento, mas é questionado por um de seus mais fervorosos seguidores.
Com a direção firme e competente de Dennis Gansel, a interpretação segura de Jurgel Vogel - o professor Rainer - e o roteiro envolvente de Peter Thorwarth, o filme se apresenta como uma pequena-grande surpresa da indústria cinematográfica alemã. Pequena se levarmos em conta a grande quantidade de obras que abordam questões relativas a esse período histórico. O adjetivo grande valeria aqui pela iniciativa de abordar, em aspectos mais didáticos e práticos, uma crítica social tão pertinente à sociedade daquela época, mas também a nossa, contemporânea, dos dias de hoje. Essas características se expressam através da proposta de pensamento acerca da homogeneização da população contemporânea e sua consequente massificação, pela mídia e também por si própria, pois afinal há aqui também o tal do livre arbítrio sobre essa prerrogativa. Refletir sobre a possibilidade de eclosão de uma ditadura dentro de um país democrático e os mecanismos pelos quais essa poderia se enveredar é uma ideia ainda pouco explorada nas artes ou até mesmo na intelectualidade. O receio em torno dessa questão parece afastar - direta ou indiretamente - qualquer possibilidade que possa existir.
Por fim, a obra mostra a necessidade latente dos jovens da sociedade contemporânea em se identificar - em busca de integrações sociais - mostrando-se, por vezes, altamente influenciáveis, principalmente quando se contagiam com máximas de grupos que visam práticas violentas e discriminadoras, como os skinheads.

Trailer do filme A onda

A história é inspirada nos fatos verídicos de um professor de história que em 1967, na Califórnia, propôs aos seus alunos um movimento batizado de A terceira onda. Seu objetivo era evidenciar aos educandos como o povo alemão certamente não tinha a dimensão da tragédia do Holocausto, dado a sua condição de sujeito "manipulado". Objetivando elevar o poder pela unidade, o professor instigava os alunos através das máximas "força pela disciplina, força pela comunidade, força pela ação, força pelo orgulho". Caso queira saber mais sobre essa história real, acesse esse link do Café História e confira uma entrevista com o professor californiano que realizou essa experiência com seus alunos.
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